ABSTRACT OR DECONSTRUCT

O debate estético de artistas e intelectuais do século XX foi marcado por argumentos de tendência em favor da abstração nas artes plásticas ou pró em relação às linguagens mais figurativas, com as suas múltiplas variáveis.

Os momentos de pós-guerra foram particularmente profícuos nesta discussão, mantendo os atores pressupostos de intervenção cívica e política na sociedade, sendo a criação artística arma de arremesso, de reflexão e de difusão de ideias e pontos de vista sobre um mundo em profundo contexto de mudança.

Em vários momentos, a arte abstrata é considerada como uma manifestação pequeno-burguesa e considerada hostil a uma comunicação mais direta com as massas, de apologia realista e neorrealista. Contudo, os artistas dos primeiros movimentos abstratos defendiam a supremacia dos meios da pintura sobre a sua função representativa. Maurice Denis (1870-1943) declara, em 1890, que “uma pintura antes de ser um cavalo, uma mulher nua ou uma qualquer história, é essencialmente uma superfície plana coberta de cores com uma disposição específica”. O francês, sobretudo pelo seu trabalho teórico, é considerado um dos primeiros proponentes da pintura abstrata e de um sistema compositivo, de formas e cores pintadas, que não se orientam por referenciais do mundo exterior.

Por volta de 1913, ainda que com uma pluralidade de perspetivas, a Europa caminhava para a abstração na pintura tendo como protagonistas Wassily Kandinsky (1866-1944), Kazimir Malevich (1878-1935), Robert Delaunay (1885-1941) ou Frantisek Kupka (1871-1957), cujas ações, ainda que de efeito imediato muito reduzido, tinham como epicentro Munique, Moscovo ou Paris, respetivamente.

Contudo, a afirmação da abstração enquanto linguagem universal da Arte acontece com a reorganização do mapa de mercado do setor consequente ao conflito mundial de 1939-1945, que retira as atenções à eterna Paris e as coloca nos EUA, em particular em Nova Iorque, em parte devido também à fuga à perseguição nazi de um grupo alargado de artistas para este continente durante a guerra. O ano de 1958 marcará, não obstante, a afirmação e o momento de difusão da denominada “nova pintura americana” pela Europa. Jackson Pollock (1912-1956), Willem de Kooning (1904-1997), Franz Kline (1910-1962) ou Mark Rothko (1903-1970) estão na senda desta quebra de convenções, com uma pintura de poderosos gestos em monumentais telas, que se afirmavam como expressão simbólica do espírito individual livre, cuja universalidade criou uma crença na homogeneidade que nunca havia existido em anteriores movimentos de procura da abstração. Será esta herança teórica e plástica dos anos de 1950 que continua a manter presente a Arte Abstrata nas opções de artistas e amantes de arte, pouco interessados na arte enquanto representação da realidade, mas antes nas suas dimensões de arte pela arte, de procura plástica e de rodopio estético que coloca a decisão no observador.

Continuará a ser esta a motivação e o conceito que conserva a fidelidade de artistas como José Augusto Castro, Gil Maia, Francisco Santos ou Pedro Bom, provenientes do novo e fervilhante século XXI, da Arte Líquida e da anti classificação ou categorização dos estilos e dos seus autores. Não obstante, um olhar mais atento sobre as suas propostas permite-nos compreender semelhanças de prática artística, ainda com linguagens individuais e individualizadas que fazem deles certezas no novo abstrato, investimento seguro e Arte intemporal.

Helena Mendes Pereira
chief curator da shairart

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